Aprendendo com a Extinção

Hugo Canoilas

«Problema da borracha: A gente pode lutar contra ignorância e vencê-la. Pode lutar com a cultura e ser pelo menos compreendido, explicado por ela. Com os preconceitos dos semicultos não há esperança de vitória ou compreensão. A ignorância é pedra: quebra. Cultura é vácuo: aceita. Semicultura? Essa praga tem a consistência da borracha: cede mas depois torna a inchar»

Mário Andrade in O Turista Aprendiz, 1930, reeditado pela Iphan, São Paulo, 2010.

No dia 3 de Setembro de 2018, um incêndio consumiu toda a coleção do Museu Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro, deixando apenas um meteorito intacto. Nesse mesmo dia, em São Paulo, um amigo unia este incêndio à nossa história cultural, mais precisamente ao incêndio de 1981, que destruiu a coleção de arte contemporânea do Estado Português que estava na Galeria de Arte Moderna de Belém1. Este incêndio consumiu tudo - a arte dos ditos artistas eruditos, que posteriormente afirmaram que a arte contemporânea da altura, não era afectada pela ditadura porque o Estado Novo não entendia a sua linguagem erudita, e a arte daqueles - igualmente contemporâneos, que foram presos várias vezes por resistência ao Fascismo.

A atualidade marcada pelo estado de pandemia e respectivo distanciamento social imposto, permitiu-nos perceber verdades no nosso panorama cultural que ninguém quis ver antes: Jornais publicaram artigos na seção das artes plásticas sobre as pintoras do Renascimento em Itália, com direito à capa de suplemento. Nesta, a imagem reproduzia parte de uma pintura onde se via um soldado a apalpar o rabo de um mulher nua com o título “Afinal havia outra”- resgatando um populismo misógino que está umbilicalmente ligado à segregação e violência sistémicas que derrotam a luta pela igualdade de género em arte.
No pico da pandemia foi publicada uma crítica (com direito a 5 estrelas) feita a uma exposição que se escusava de qualquer problema que estamos a viver. Falando de escultura do ponto de vista formal e utilizando termos próprios à crítica dos anos 60 (falando da matéria e da forma) para jubilar uma exposição em tempo de pandemia mundial, numa lógica negacionista das várias transformações que estamos a viver por parte da crítica e artista. Outras críticas jubilando as figuras do costume utilizaram termos e argumentos críticos próprios aos anos 80 adjetivando estes artistas com os termos “fora do seu tempo“ ou “artista em suspensão” em vez de pensar criticamente as suas obras através das forças mais prementes do presente.
Ainda durante o pico da pandemia foi publicado um artigo de página inteira num dos principais jornais portugueses, assinado por um político e jurista português, que afirmou que o futuro da arte é na internet, porventura, para entretenimento dos cidadãos, que foi uma das premissas mais utilizada, durante o tempo de quarentena.
De um modo geral, foram tomadas decisões precipitadas e monocórdicas por parte da maioria dos agentes procedendo a uma lógica de substituição da experiência em arte, sem capacidade de reflexão sobre o imediatismo das escolhas feitas nas redes sociais, nem na relação entre retina e o cérebro operada entre telefone ou computador e nós - valorizando a supremacia do racional no quotidiano. Na maioria dos casos, os programadores, diretores, e curadores de museus e instituições pediram projetos a artistas e curadores independentes, sem oferecer qualquer retorno financeiro, ampliando a evidência da programação institucional feita através de uma precarização dos artistas e de outros agentes da cultura que trabalham por conta própria.

Por falar em gente não especializada que continua a lidar com os destinos da arte portuguesa, algumas administrações de museus continuam a impor vontades próprias aos “seus” museus, determinando sem consultar a equipa da direção artística: compras, exposições ou colocação de máquinas com smileys à saída das salas de exposição para aferir junto do público se o assunto ou tema da exposição é do seu interesse – mostrando total incapacidade para entendimento da natureza da arte contemporânea e colocando a nu a subjugação da produção cultural ao capitalismo cognitivo2 ou numérico3, e interesses sociais e políticos de grupos de interesse específico, exteriores à cultura.

Alguns curadores convidados a falar sobre a arte no futuro, pós Covid-19, geraram mal estar geral entre os artistas. É um fato, que os artistas têm de ser ouvidos juntamente com os restantes agentes. A divisão entre curadores e galeristas (neste caso todos de Lisboa), e os outros - contraria uma lógica de equidade que me interessa apresentar aqui. Falando sobre os artistas, houve quem demonstrasse como primeira preocupação o bem estar dos humanos que fazem arte na primeira pessoa. Mas caiu mesmo mal, alguém na condição de assalariado, achar que os artistas terão que se reinventar; um curador pensar sobre o que nós teremos que fazer e não partilhar qualquer pensamento crítico sobre os problemas próprios que a sua atividade tem (como por exemplo a divisão cada vez maior entre administração e direção artística). Termos que mudar, que nos reinventar significará que o que fazemos não vai alterar em cadeia o que outros fazem? Será que a pandemia e a relação com as multidões não afetarão o seu programa? (Já agora, gostava que a pandemia me permitisse dizer: adeus museu blockbuster; adeus exposições 3D do Van Gogh, Banksy, etc, porque sem o populismo de algumas práticas - sobretudo os clichés da dita arte urbana, sem a supremacia dos números nem a codificação da diferença neste novo estádio do capitalismo, poderíamos pensar em cultura de forma mais séria e empenhada).

"Nunca se mudam as coisas combatendo a realidade existente. Para mudar algo, construam um novo modelo que torne o modelo existente obsoleto” (Tradução livre de Buckminster Fuller). Porque razão então, continuamos a celebrar projetos ou programas curatoriais que mostram duas mulheres entre dez ou mais homens, que apresentam sobretudo artistas de uma única galeria, e que não olham para as transformações que a vida contemporânea está a sofrer? A crítica é também aos artistas porque temos tido falta de coragem para deixar cair este sistema velho. Porque não criticamos acima da nossa hierarquia, porque não rompemos com a hierarquia? Não falamos mal do artista mais rico da galeria que nos compra obra para nos calar, nem da opção da galeria X ou Y ou da obra pública de Z. Com um sistema classista tão enraizado é necessário deixar implodir, não atender, não dizer o nome, criar espaços autónomos para sem medo, dar a opinião de forma livre, criar projetos independentes adequados àquilo que julgamos ser mais acertado aqui e agora. É preciso reclamar espaço institucional para novas práticas artísticas que vão para além do eixo atelier - galeria - museu; colocar artistas a fazer também escolhas; sobretudo conseguir condições, visibilidade e liberdade para os mais novos e todos os que tentam entender e participar nas mudanças que estão a acontecer à nossa frente. É preciso coragem intelectual e artística para entender que a arte está a transformar-se pelo facto do Feminismo e a Ecologia serem forças cada vez mais operantes, que refletem uma atenção à nova era geológica em que vivemos. Que neste quadro, existe uma relação mimética entre o ethos artístico, o social e político, uma maior valorização da arte como um todo heterogéneo e uma maior valorização do gesto coletivo – uma maior solidariedade entre pares.

Em função das transformações que vivemos foi também possível perceber a lógica dos dinossauros do passado que propõem uma rápida regeneração industrial e económica pela qual lhes parece valer a pena, deitar abaixo qualquer causa social e política. Facilmente vislumbramos que pelo velho sistema económico e político que nos arrastou para o momento que vivemos vale tudo, até aproximarmo-nos de pensamentos fascistas, ficando empurrados entre o Chega e Bolsonaro, a Hungria e a Polónia, Johnson e Trump. Ainda neste sistema de valores totalmente desadequado à realidade existente, uma grande maioria dos agentes teimam em separar a arte boa da arte má, “a elite” daqueles que não conseguem vender, a separação das estrelas, ou das flores (como nomearam Guattari & Deleuze em Mille Plateux) em relação à erva daninha e ao húmus. Faz algum tempo que ninguém bajulava em público (leia-se, nas redes sociais) esta bipolaridade nociva – que é uma forma estúpida de entender cultura e arte contemporânea, como a frase “ Há arte boa e arte má – eu faço arte boa” dita por um destes artistas de elite num simpósio no Museu do Chiado intitulado: “Pode a arte modificar o futuro”, organizado por Emília Tavares.

Hoje, é evidente uma maior atenção às micronarrativas em desprimor da grande narrativa da história de arte que sustenta a maior parte deste sector que tenta a todo custo sobreviver utilizando o nepotismo e uma cultura de medo suave sobre os outros, oferecendo-lhes oportunidades sob um tecto relativamente baixo de possibilidades. Estas micronarrativas (as novas possibilidades, para além das grandes narrativas) exultam sentimento, empatia, afeto, e uma maior elasticidade que me permite também a mim (homem, heterossexual e branco) falar e manifestar-me de outra maneira. Mas sobretudo permite uma maior fluidez entre tipologias de pensamento, linguagens, afectos, géneros raças (com a classe económica e social ainda a resistir como forma de segregação e forma final de diferenciação).

Existirão provavelmente muitas mais coisas que poderíamos aprender e comungar com vozes que não recebem apoio e visibilidade em detrimento daqueles que tiram proveito do velho e obsoleto sistema. Este texto quer-se como abertura a discussão e só pode enriquecer com as ideias, vozes e sensações de outrxs. “Morra o nepotismo!” parece um grito mudo - um pensamento surdo e ao mesmo tempo é evidente que existe um tecto que não nos deixa ver o futuro, para que possamos viver em pleno o presente. É preciso deixar cair o sistema vigente, não prestando vassalagem àqueles que não querem entender a arte como um ecossistema salutar. É necessário inscrever a arte contemporânea no todo, criando um diálogo aberto e horizontal com todos os seus agentes. Uma arte egoísta na forma como se desenvolve e tenta um novo para além da linguagem - privilegiada porque nua de obrigações técnicas e outras funcionalidades implícitas em outras áreas culturais, que lhe permite tentar expandir a consciência humana, criar novas formas de empatia e novas epistemologias. Altruísta na forma como promove o encontro com outrxs, e se abre de forma tentacular a muitas outras formas de conhecimento e áreas de interesse.

O Estado precisa de entender o que estamos a fazer para evitar tomar medidas totalmente divorciadas da nossa realidade, como aconteceu durante o estado de emergência. O Estado mostra que não entende aquilo que fazemos sempre que, depois de convidados para um projeto, nos coloca um contrato à frente (emitido pela DGPC) no qual consta que x artista “oferece” o melhor preço – xs artistas não oferecem o melhor preço, mas sim convidadxs pela especificidade intrínseca do seu trabalho. É imperativo conseguir dialogar com o Estado, para criar um conjunto de estratégias que lhes permita entender que a arte faz parte do pensamento e ação especulativos que nos permite pensar um futuro, estimulando novas relações entre coisas, criando novas coreografias e novas formas de relacionamento coletivo – sobretudo hoje quando as relações são cada vez mais impostas nos meios prevalentes online, onde somos agidos em vez de agir; sobretudo quando a “massa colectiva” é essencial para a ação política e que os artistas através da sua hipersensibilidade são essenciais para criar essa mesma massa através de experiências vividas e não-mediadas.

A arte pode ser absolutamente ineficaz e absurda. Mas a arte pode também, mesmo que de forma passiva, fazer ponte entre interior e exterior, matéria e espírito, racional e sensação. A heterogeneidade das práticas artísticas (aquilo que eu acredito, a sua negação, e todas as coisas entre uma coisa e a outra) preparam o nosso corpo para lidar com a imensurável multiplicação de eventos sociais, políticos, culturais e ecológicos. A arte, entendida desta maneira, oferece no espaço público, um receptáculo para absorção das diferenças não-negociáveis (uma pessoa pode conter em si o interesse em duas obras antagónicas, que se anulam; pessoas com credos políticos antagónicos podem reunir-se em torno da mesma obra). A arte necessita de ser inscrita através de uma política glocal. No plano nacional importa sublinhar a inexistência de um plano de atuação de cima a baixo (da esquerda para a direita , etc) que inclua todas as instituições subsidiadas pelo Estado, que poderiam usufruir de apoio caso fossem utilizadas um conjunto de boas práticas (como por exemplo cotas de representação e fees dos artistas) segundo um decreto lei baseado numa discussão que inclua os artistas. Uma política Cultural do Estado aproveitaria os trabalhadores precários e estruturas já existentes e criaria uma revista de arte impressa, providenciando condições financeiras para a profissionalização de uma equipa editorial, gerando mais emprego e pensamento crítico.

Se os Municípios - seguindo um plano nacional, parassem de usar o fundo da cultura exclusivamente para entretenimento e desporto ou exposições exclusivamente fora da realidade contemporânea cultural, sobretudo aqueles que beneficiam de receitas extraordinárias dos casinos, aconteceria uma autêntica revolução cultural e uma melhoria substancial da cultura. Para mim, este movimento deverá ser muito próximo do que são os princípios da permacultura4. Existem oportunidades para implementar políticas culturais de norte a sul do país onde há pequenas verbas, escolas, praças, e nichos de resistência cultural – que poderiam estimular muitos artistas e outros agentes culturais, sempre em troca de pagamento devido, despoletando o enriquecimento cultural necessário a cada zona do país. O rol de transformações necessárias a implementar merece muitas outras vozes, porque a arte é feita coletivamente.

Serve o presente documento para vos interpelar e iniciar uma discussão maior. Eu aguardo que vocês que me estão a ler, respondam para o email do projeto. A minha intenção é transgredir de uma vez por todas o constrangimento histórico que existe em arte, que não permite pensar a prática artística para além da relação entre atelier, galeria e museu. É urgente pensar num conjunto de possibilidades que são a atualização do conceito de “operador estético” que Ernesto de Sousa utilizou a partir de Bruno Munari, para definir um conjunto de práticas que vão para além daquilo que é socialmente aceite como prática artística. Há artistas programadores, escritores, pesquisadores, etc (um rol de possibilidades que implica mais que uma voz para nomear) e um só sistema de desenvolvimento de trabalho e, sobretudo, de retribuição financeira. Existe ao mesmo tempo a necessidade da arte se inscrever de forma mais premente na nossa sociedade por forma a reduzir o espaço entre aquilo que as pessoas pensam que é arte e aquilo que estamos a fazer.
Os artistas precisam, por isso, emaranhar-se nas instituições, revistas, câmaras municipais, e atuar com as suas forças próprias gerando uma sympoesis ou fazer conjunto, que é o modo que potencialmente gerará mais trabalho e dinheiro transformando por completo a arte contemporânea.

O dinossauro que têm em mãos é potencialmente um jogo em que corta ou pinta como forma de aprender/integrar a ideia de extinção. A arte está em perigo pelos seus dinossauros que não estão a cuidar do seu ecossistema ou não estão a conseguir acompanhar o seu desenvolvimento.
A hierarquia presente na arte é um problema real. É estranho que um artista que comece o seu espaço, o seu projeto, ganha capacidade de escolha e decisão e chegue a todxs xs outrxs agentes de forma mais rápida, e consiga desta forma estabelecer uma relação mais horizontal. Não interessa portanto se a sua obra artística é mais madura ou mais premente. Interessa sim, o capital cultural - aquilo que poderá oferecer a outrx. Acontece que, com um conjunto alargado de possibilidades que transgridem a noção social de artista e o constrangimento histórico das possibilidades da sua prática, é possível colocar de forma horizontal a relação entre artista, curador, critico, diretor de museu e, já agora, o público, que são as testemunhas que nos ajudarão a inscrever a arte no real.


1. Os cortes para a cultura operadas pelo então secretário geral da cultura Vasco Pulido Valente suprimiram o guarda noturno do local onde estava guaradada a coleção tendo sido mais tarde relatado como “Um caso típico de incúria, porque de nada valeram os sucessivos avisos e estudos dos técnicos do Museu Nacional de Arte Antiga e dos bombeiros, que num relatório de 1978 (imagine-se) alertavam para a total vulnerabilidade do edifício e o perigo de curto-circuito.” Ochoa, Rui “Um olhar - 20 de Agosto de 1981 Incêndio na Galeria de Belém“ in https://expresso.pt/blogues/blogue_um_olhar/20-de-agosto-de-1981-incendio-na-galeria-de-belem=f529550, 09.08.2009.

2. Esta interpretação sublinha que, seguindo as fases anteriores do capitalismo mercantil e industrial, nos encontramos numa terceira fase do capitalismo em que a acumulação está centrada nos activos incorpóreos. Os teóricos do capitalismo cognitivo acreditam que este está centrado em torno da acumulação de ativos imateriais, especialmente relacionados com o núcleo de informação dos produtos, que são protegidos através dos Direitos de Propriedade Intelectual, ou seja, meios legais como as patentes. Estas patentes, uma vez que são utilizadas por marcas, em sectores como o farmacêutico, o agro-negócio e o software, permitem então a criação de um valor acrescentado resultante de rendas monopolistas.

3. https://www.publico.pt/2020/04/12/sociedade/ensaio/pandemia-capitalismo-numerico-1911986

4. Com um certo fascínio pelas possibilidades oferecidas pela ideia de culturas regenerativas – nome cunhado por Daniel Christian Whal, aproximei-me novamente da ideia de permacultura e penso numa remota ligação ou transformação ética na tradução dos princípios da permacultura para um pensamento e modo de atuação artística que esboço aqui mas que mercerá um uma reflexão maior. A ideia de permacultura foi criada por Bill Mollison e David Holmgren. Esta prática provém do inglês “Permanent Agriculture” e foi criada no século XX por volta da década de 70. Com o passar do tempo, o termo permacultura começou a ser compreendido como “Cultura Permanente” uma vez que começou a agregar uma gama alargada de saberes provenientes de diversas áreas científicas, para planeamento e criação de ambientes humanos que garantam sustentabilidade e produção equilibrada e harmoniosa com a mãe Natureza. Atualmente a permacultura é um conjunto de princípios de concepção centrados no pensamento, simulação ou utilização direta dos padrões e características resilientes observados nos ecossistemas naturais. Utiliza estes princípios num número crescente de campos, desde a agricultura regenerativa, passando pela reconstrução e a resiliência comunitária.
A permacultura é formada por três princípios éticos: Cuidar da Terra, Cuidar das Pessoas e Partilhar os Excedentes. Uma primeira tentativa de aplicação ao meu texto transforma estes princípios em Cuidar da Cultura - algo que estará em permanente discussão e desenvolvimento dada a natureza da cultura apresentada no princípio deste texto, Cuidar da Natureza e das Pessoas dentro de um quadro formado pelo Feminismo e Ecologia e na crença que a forma e ética de todas as manifestações culturais é também conteúdo e Partilhar com o Todo que engloba uma visão altruísta da arte e a necessidade da arte de acontecer - tanto na presença de outros agentes culturais assim como de testemunhas provenientes do público geral e não especializado.

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Aprendendo com a Extinção / Desenho de Pó, 2020
Hugo Canoilas / Joana & Mariana
Serigrafia sobre papel, 70 x 50 cm
Ed. 150 exemplares

Kevin Claro
Olá. Gostava de responder às eventuais questões mas penso ter mais dúvidas do que vocês e não consigo responder-vos sem ser em partilha-las. Sempre tive dificuldade em ir de encontro à institu...
Olá. Gostava de responder às eventuais questões mas penso ter mais dúvidas do que vocês e não consigo responder-vos sem ser em partilha-las. Sempre tive dificuldade em ir de encontro à instituição (bolsas/open calls/convites) para apresentar/desenvolver projetos. Mais do que a eventualidade de não me identificar com o que foi/é promovido por estas, qualquer tipo de imposição/pedido em relação aos projetos a apresentar/desenvolver coloca por água abaixo qualquer aspeto positivo que possa vir desta - digo eu - parceria. Com isto, faço as coisas por mim, sempre de uma forma muito humilde (as imposições não servem apenas para deitar abaixo, podem ser vistas como trampolins/novas possibilidades) e partilho-as - é essencial - da maneira mais económica e comum = exposições, sites, blogs, livros, ... Esses trampolins fizeram com que o meu trabalho/eu se despegasse daquilo que este poderia eventualmente ser, para passar a ser aquilo que ele é neste preciso momento e penso que esse é um fator fundamental para aquilo que é hoje a minha prática/vida, (não há pesquisas, estudos, trabalho de campo... há o que tem que haver e prontos). Existe a noção que não preciso da instituição para desenvolver pesquisas/projetos. Não estou aqui a descreditar a importância destas para a população (não sei que palavra utilizar, mas comunidade pode afunilar a ideia de quem me está a ler para uma específica, então uso população para falar do todo), o aspeto pedagógico e a importância de se falar sobre a prática artística é fundamental para desfazer esta caricatura abstrata daquilo que é o mundo da arte. Vejo essa partilha, a da prática artística como algo comum no meio de nós, bastante presente aqui em França (isto tudo tem muito que se lhe diga. e estou aberto a falar no assunto, mas fora deste em particular) em relação a Portugal - país onde vivi a maioria da minha vida e onde concretizei o meu secundário em Artes Visuais, Licenciatura em Arte e Design e Mestrado em Artes Plásticas. Sei que o objetivo deste corpo de trabalho/maneira de pensar não é chamar apenas a um melhoramento das maneira de como as instituições apoiam/partilham aquilo que é feito pelos criadores, mas penso ser também fundamental atuar agora, agora mesmo, com o que quer que seja a iniciativa, para assim dar a entender aquilo que me parece bastante óbvio que é: a vontade é que dita a coisa, as condições só a apaparicam. E não penso ser necessário apaparicar, mas sim COISAS (ações), sejam elas ou não coesas, fora das instituições que ditam esse MUNDO DA ARTE (não o consigo colocar em itálico) para dar a entender que isto tudo que gira em torno da prática artística (sendo esta fundamental como comentário/experiência crítica para a sociedade presente) é ditada pelos criadores e seus espetadores e não por interesses que se afastam - ou simplesmente não estão no mesmo patamar hierárquico - daquilo que estes realmente são/fazem. Estou aqui a falar disto mas tenho três janelas do lado esquerdo do meu separador com eventuais bolsas a candidatar-me para um projeto a desenvolver em Aveiro. Tenho a perfeita noção que em muitos casos o apoio institucional é importante para o desenvolvimento de projetos com uma certa envergadura e, como disse acima, não estou a descreditá-la, estou apenas a partilhar com vocês as minhas dúvidas no que toca à decisão que esta pode ter na imposição/modificação de projetos para além daquilo que estes possam eventualmente ser. A questão é: Não será incoerente da nossa parte – nós agentes com necessidade em questionar o estado presente da nossa sociedade – trabalharmos com a instituição – sendo esta um agente estéril no que toca o desfasamento da sua própria (do estado) envergadura, passado/presente – sabendo que é essencial afastarmo-nos, como transcrevem no texto do Buckminster Fuller, do que já está edificado para propor novas pontes? Não são as instituições espelhos do famoso eixo atelier – galeria – museu? Penso que um dos problemas da Instituição é o seu nome, o seu passado, a maneira de como vai ser observada se fizer X ou Y. É por isso que é fundamental nos afastarmos do conceito de artista como sujeito, e agirmos como coletivo sem face, sem nome, sem medos. Dar a entender a toda a comunidade que se diz não criadora como membro da sociedade criadora (somos todos um reflexo daquilo que nos rodeia (desculpem o romantismo)) e como membros importantes deste eixo contemplação – pesquisa – partilha. Ou será que acontecerá a mesma coisa que aconteceu no Synergia ranch, onde alguns meses mais tarde a comunidade de pacifistas anti-hierárquico começou a criar as suas próprias hierarquias? Obrigado pelo texto e pela referência do Ludismo. Já agora e indo de encontro ao texto e à minha opinião: não teria sido mais vantajoso os grupos ludistas terem simplesmente parado de trabalhar para aquelas empresas e terem criado – já que mestres na sua arte – as suas próprias? Abraço, Kevin Claro